
- Içar âncoras marujos, hoje nós vamos pescar marlins. – Dizia o tresloucado capitão da embarcação.
- Mas capitão, nós só pescamos atuns, marlins são muito grandes para o nosso pequeno barco. – Um marinheiro retrucava.
- O preço do atum está em crise no mercado. A oferta aumentou muito. Hoje vai ser marlins e está decidido. E você, qual seu nome? Vá já preparar as redes.
- Laucion senhor! Esse é meu nome.
- Ninguém perguntou, faça o que eu mandei somente, estamos em alto-mar e todos têm que colaborar.
- Está certo, capitão. – Dizia Laucion meio confuso e se perguntando até que ponto ia a esclerose do chefe.
- Capitão, as redes estão prontas, mas a âncora ainda está no fundo. – Um marinheiro avisava.
- O que importa, faça o que eu mandei, jogue as redes no mar, hoje vai ser dia de marlim! Quem pegar atum, limpará os banheiros!
O dia foi bom, marlins não paravam de aparecer, ninguém foi forçado a limpar banheiros e quase ninguém percebeu a noite cair de alturas impossíveis sobre o paquete ancorado em alto-mar:
- Amanhã, senhores, será mais um dia, pescaremos mais marlins, quero ver esse barco transbordando. – O capitão avisava.
- Capitão, o barco já está cheio, – Um marinheiro alertava – seria mais prudente nós voltarmos amanhã.
- Não me contradiga marujo, ou por acaso, queres limpar banheiro? Eu estou no comando e digo que cabe mais marlins nesse barco.
Laucion refletia até que ponto o poder corrompia o homem, mas estava muito cansado para pensar mais profundamente. Encostou a cabeça no travesseiro e apagou.
- Acordem, acordem, seus imprestáveis, é hora de trabalhar. – Amanheceu e, pelo visto, o capitão era o primeiro a estar de pé, facilmente comprovado pelo seu mau humor.
Foi mais um dia de pesca de marlim:
- Vamos, vamos, içar mais essa rede. – Um marinheiro repetia. – Ah! Finalmente conseguimos mais uma.
No exato momento em que a rede tocou o chão do navio, uma grande viração foi sentida e no instante seguinte um estrondo foi ouvido. Dos porões do barco outro marinheiro saia correndo:
- Capitão, capitão! O chão do porão cedeu devido ao excesso de peso, vamos afundar!
- O quê? Estamos perdendo toda a pesca do dia! – A antipatia do capitão para encarar os fatos era sinistra.
- O que faremos? – Um outro marinheiro perguntava.
O capitão nada respondia.
- Desçam os botes, desçam os botes! – Todos gritavam. Numa hora dessas, obviamente, era o mais sensato a se fazer.
Vários marinheiros abandonavam o barco em botes salva-vidas, o capitão mareado, nada fazia, olhava-se em êxtase e dizia: “Peguem mais marlins, peguem mais marlins.” A água não dava trégua e Laucion não encontrava nada para se salvar. Não havia mais botes ou bóias. O barco começou a se curvar e toda popa já estava embaixo d’água. Não demoraria muito para a proa também ceder aos encantos do fundo do mar. Alguns marinheiros se jogavam para a morte. “A fórmula química da água é H2O.” Alguns gritavam para os corajosos e estouvados que se alçavam para o afogamento, do que adiantaria saber? Laucion, desesperado, queria ficar no barco até o último segundo possível. O capitão, percebendo o inevitável, preferia afundar com o barco. E assim foi feito. Laucion nadava, agora, sozinho em alto-mar, tentando alcançar um alabastro que estava a poucos metros dele, para tornar jangada, enquanto avistava O Pescador ir a pique sem dó nem piedade pela febre da ganância e pela falta de humildade, um reflexo apocalíptico da sociedade?