segunda-feira, 15 de março de 2010

Naqoyqatsi*



Não me indague sobre onde estou indo, não faço a menor idéia; até a mais tenra dúvida torna-se a mais atroz irresolução quando adentra minhas veias, porque eu, simplesmente, baixo o decreto de não poder errar. Sinto-me como se estivesse caminhando na corda bamba sem a rede de proteção e todo esforço para amenizar o sofrimento da dúvida é inútil. Pois, se decido por algo, programo todas as funções de meu organismo para jazer num inabalável estado de arrependimento. “E se eu tivesse optado pela outra alternativa? Estaria mais pleno, sim, tenho certeza, que estaria mais pleno! Como eu sou burro, sempre fazendo escolhas que me deixam neurastênico, que me provocam abalos sísmicos! A outra alternativa estava lá, tão fácil, mas não, eu sinto prazer em sofrer, tenho que escolher, justamente, a que me causa peste!” ...Sem, no entanto, admitir que esta outra alternativa também me causaria peste.

Contudo, o pior não é quando tomo a decisão, o pior é quando deixo as alternativas alheias, a Deus dará, aí sim, elas se matam e a sobrevivente norteará meu futuro. Esta situação decapita minha auto-estima e minha imaginária independência; o sentimento de remorso proveniente desta conjuntura converte cada pensamento meu em um axioma suicida. A estrutura psíquica necessária para dar fim a minha vida se finaliza; faltaria, apenas, um ensejo.

Culpados para este meu estado imaturo existem, mas não os acuso. Seria criar ojeriza de forma gratuita, pois eles não sabem do assombroso crime que cometeram. O mais terrível, porém, é que, todos me prejudicaram a seu modo, cada qual me esfolando até os ossos, e depois, como se não bastasse, cortavam meu abdômen, perfurando meu intestino, com a faca mais afiada que podiam encontrar e voltavam na próxima semana, apenas, para reabrir o corte. Penduravam-me pelos tornozelos até eu balançar e me estendiam por ambos os ângulos até me desmembrar. Por fim, espremiam minha cabeça até meu cérebro vazar por minhas artérias, e em seguida, estourar como chafarizes do Tanque. ”O que sobraria dessa crueldade?” Você ainda tem coragem de perguntar... Dano mental foi o que aquele médico disse! Ah! Eu ainda agradeço a eles, amo-os, desde o instante em que nasci, mesmo, até antes dele, desde que lutava para sobreviver a tempestades de raios dentro do útero de minha mãe. Não, não, não, por favor, na realidade, o macaco atormentado que vos escreve ainda está preso no conflito entre sua cauda e seu humor.

* Naqoyqatsi é uma expressão da língua Hopi que significa "a vida como uma guerra" ou "a guerra como um meio de vida".