... e dizia o
cartaz: “Compro ar, se é puro pago muito mais”. O que em outros tempos era
inimaginável, agora era a triste sina daquelas pessoas que viviam na cidade,
numa cidade que consome toda velhice possível e que com toda sua gente e todo
seu barulho não podia evitar toda a fumaça que a contaminava. Entretanto, por
mais incrível que pareça, aquele povo seguia crescendo, o carbono seguia
fazendo parte de suas moléculas.
Eu era um
carbono, que apesar de toda a catástrofe ao redor, não tolerava a falta de fé,
não permitia que ninguém baixasse os braços, que perdessem a lucidez. E com
esse espírito eu escrevia e escrevia palavras cegas, certo de que elas iriam
atingir os ouvidos dos entorpecidos, como uma bomba que explode nos calçadões
sujos da cidade. Escrevia um líquido inflamável, pior que gasolina, que consumia
rapidamente os desvarios das praças centenárias, onde bêbados e drogados cantavam
a sinfonia dos desvalidos. Escrevia em espasmos no intervalo invisível entre o
ser e a pálpebra dum minuto. Escrevia no espaço frenético jacente na alma torta
dos combatentes de pena e nanquim. Escrevia aquilo que poderia se tornar o hino
dos mudos, dos loucos desvairados em sanatórios imundos ou das prostitutas que
andam pela vida num eterno se dar. Eu, simplesmente, não podia parar de
escrever, não tinha como. A crua realidade, lá fora, de respirar fuligem e
chorar alcatrão contaminava meus pulmões, mas essa triste impureza gasosa não
chegaria a meu sangue, nunca chegaria... Antes disso, escapar-me-ia do cheiro
repugnante, sairia voando por aí, silvando, sem medo e sem rancor.
Eu escrevia e
assim começava a envelhecer. Suando esta verdade, escrevia mais e mais,
enquanto o chorume corria pelas veias dos habitantes. Escrevia a gilete, no
tampo da mesa de um bar os desatinos que a paixão propicia e que ali se
encerram e se descortinam. Escrevia com sangue, com o fervor dos suicidas,
palavras que ecoariam alto nos breus e se dissipariam nos canos de descarga dos
coletivos suburbanos; para, depois serem inaladas pelas ratazanas do esgoto
mais próximo.
Eu escrevia,
escrevia o espasmo de dor e alegria do poeta que morre ante a pulsação medíocre
da cidade putrefeita em lodo e gás tóxico, mas sem perder a esperança.