quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Muros & Grades


Estava dobrando esquinas atrás de esquinas e num momento ele se viu diante do cemitério com muros altíssimos e só o fogo-fátuo dava de notar. Lá, por incrível que pareça, havia uma alma viva; a primeira pessoa que ele via há muito tempo. Era o vigia do cemitério, nada de anormal:

- Esqueça os mortos, rapaz. Eles não levantam mais!

- Não... Só estava passando por aqui, admirando o fogo-fátuo. É um fenômeno interessante, não queria entrar aí.

- São só corpos em decomposição. Não posso deixar ninguém entrar aqui.

- Hum... Mas você não acha tudo isso muito estranho? Olhe, até os mortos vivem encarcerados.

- Não é de se estranhar, rapaz, algumas pessoas tem mais segurança mortas do que vivas. E além do mais, aqui só estão os corpos delas, elas já foram, acabou!

- É, pode ser. Mas será que os mortos voltam à vida quando aparecem em sonhos aos vivos. Eles parecem tão reais e eu há tempos faz que não sei a diferença entre os sonhos e a realidade, o real e o abstrato, entende?

- Hum, entendo... Então eu posso ser apenas alguém de sua mente? ...E quanto a sua primeira pergunta, eu, nos meus dois anos que trabalho aqui, nunca vi um morto levantar e ir invadir o sono de alguém. Eles não levantam mais...

- Verdade – disse com um sorriso tímido.

Aquela conversa com o vigia era um raio de esperança, talvez fosse. Ninguém poderia dizer se tudo aquilo era real ou não. O breve encontro o fez ponderar como é incrível o medo que as pessoas têm de perder o crânio de seus entes queridos. A época de ladrões de tumbas já passou, não faz sentido construírem muros em cemitérios e contratar vigias. O medo nos leva a tudo e, sobretudo, a fantasia. Os muros e grades estão lá, simplesmente, para garantir que morreremos cheios de uma vida tão vazia. Eles nos protegem do nosso próprio mal e de quase tudo, mas quase sempre o quase tudo é quase nada e nada vai nos proteger de uma vida sem sentido; entre cobras e escombros da nossa consistência, vivemos em delírios de ruínas numa vida superficial. Viver assim é um absurdo como tentar o suicídio ou se resignar. Por que levamos tanto tempo para descobrir que não é por aí? Que isso não leva a nada? O que importa?...Agora, ele estava descarregado, pois sabia que até os mortos estão presos e que não poderia estranhar se também estivesse.

Nenhum comentário:

Postar um comentário